Arquivo Confidencial

Diogo Mendonça
2 min readJul 29, 2022

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Como parte do processo de desprendimento da vida mundana, quando você morre ganha de presente o direito a uma “resolução divina”. É muito simples: você escolhe um assunto que te causou dores e vai ter a chance de acertar as contas com todas as pessoas envolvidas naquela dor. Não importa em que fase da vida foi, as pessoas aparecem para você com o rosto exato que tinham na época do acontecimento.

- Pedro? Pedro?
- Oi!
- Vem aqui, por favor.
- Claro!
- Então, meu xará, agora você vai ver a sua “resolução divina”.
- O que é isso?
- Se você pudesse conversar com todas as pessoas que te magoaram em algum aspecto da sua vida, pra entender o que aconteceu e o que causou sua dor, qual seria esse assunto?
- Hummm.
- Rápido que a fila tá grande!
- No amor! Bora na dor de cotovelo.
- Certeza?
- Certeza!
- Tá, entra ali e senta no sofá que já já as chamadas de vídeo começam.

Foram quase duas horas de conversas. Desde a Melissa, da alfabetização, até a Dona Lurdes, vizinha de quarto no asilo e que ele achou que poderia ser o seu último grande amor. Algumas pareciam bastante ressentidas, duas delas estavam até abaladas por não terem aproveitado a chance com o Pedro. A grande maioria disse que estava em outro momento de vida, enquanto algumas xingaram Pedro até a morte de todas as suas vidas seguintes.

- Acabou aí, xará?
- Acabou, acabou. E agora?
- Agora você entra naquela sala ali e senta no sofá que tá de frente pra câmera.
- Pra quê?
- Aqui na sua ficha diz que você magoou 5725 pessoas durante a vida. Isso tudo aí dentro de 372 assuntos.
- O QUÊ!?
- Se você puder ser direto vai ser importante, porque o negócio tá meio cheio aqui e tamo ficando sem salas de reunião.

Pedro então entrou na sala, que já estava com a porta aberta, o que evitou que ele visse plaquinha de identificação do ambiente. A placa da porta dizia “Purgatório”.

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Mais um texto que escrevi originalmente em 2017 e que, tenho que admitir, é muito influenciado pelo livro “A Soma de Tudo” do David Eaglaman. Agora é juntar com o “Repartição”, escrever mais uns 40 e lançar meu livro de contos sobre o além também.

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